domingo, 27 de abril de 2008

Religião









No princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus, e o verbo era Deus. No princípio estava ele com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele e sem ele nada se fez de tudo que foi feito. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas mas as trevas não a compreenderam.
Houve um homem enviado por Deus de nome João. Veio para dar testemunho, para testemunhar da luz, a fim de que todos cressem por ele. Não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. Era esta a luz verdadeira, que ilumina todo homem, que vem a este mundo. Ele estava no mundo, e por ele o mundo foi feito, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu mas os seus não o receberam. Mas a todos que o receberam, deu-lhes o poder de virem a ser filhos de Deus, àqueles que crêem em seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.
E o Verbo se fez carne e armou tenda entre nós; vimos a sua glória, a glória de Unigênito do Pai, cheio de graça e verdade. João dá testemunho dele e clama, dizendo: "Este é aquele de quem vos disse: o que vem atrás de mim passou adiante de mim, porque era primeiro do que eu". Pois da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça. Porque a Lei foi dada através de Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo. A Deus ninguém nunca viu. O Filho Unigênito que está no seio do Pai foi quem no-lo deu a conhecer.

Evangelho Segundo São João, 1, 1-18.

O ser humano não procura o prazer e não evita o desprazer: que se perceba quais preconceitos famosos eu com isso contradigo. Agrado e desagrado são meras consequências, meros fenômenos secundários, - o que o ser humano quer, o que cada partícula de um organismo vivo quer é um a-mais de poder. Da busca disso decorre tanto agrado quanto desagrado; partindo de tal vontade, ele busca resistências, ele precisa de algo que se contrapanha. O desagrado enquanto entrave à sua vontade é, portanto, um fato normal, o ingrediente normal de todo acontecer orgânico, o ser humano não foge a isso; pelo contrário, ele tem nisso algo continuamente necessário: toda vitória, toda sensação de prazer, todo acontecer pressupõem uma resistência vencida.

Minha visão: todas as forças e pulsões mediante as quais há vida e crescimento estão temperados com o fascínio da moral: moral como instinto da negação da vida. É preciso aniquilar a moral para libertar a vida.

Nietzsche, fragmentos 14(174); 7(6).

Imagens:Victor Meirelles: Primeira missa no Brasil; Camile Claudel: Perseu e Medusa.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

História

















Disse Jesus, Estou à espera, De quê, perguntou Deus, como se estivesse distraído, De que me digas quanto de morte e sofrimento vai custar a tua vitória sobre os outros deuses, com quanto de sofrimento e de morte se pagarão as lutas que, em teu nome e no meu, os homens que em nós vão crer travarão uns contra os outros, Insistes em querer sabê-lo, Insisto, Pois bem, edificar-se-á a assembléia de que te falei, mas os caboucos dela, para ficarem bem firmes, haverão de ser cavados na carne, e os seus aliverces compostos de um cimento de renúncias, lágrimas, dores, torturas, de todas as mortes imagináveis hoje e outras que só no futuro serão conhecidas...

José Saramago, O evangelho segundo Jesus Cristo.


Infanticídio põe em xeque respeito à tradição indígena

Mayutá, índio de quase dois anos de idade, deveria estar morto por conta da tradição de sua etnia kamaiurá. Na lei de sua tribo, gêmeos devem ser mortos ao nascer porque são sinônimo de maldição. Paltu Kamaiurá, 37, enviou seu pai, pajé, às pressas para a casa da família de sua mulher, Yakuiap, ao saber que ela havia dado à luz a gêmeos. Mas um deles já
tinha sido morto pela família da mãe.
Paltu enfrentou discriminação da tribo, para a qual a criança amaldiçoaria a aldeia. Relutou, porém, em sair do parque do Xingu (MT), onde vive sua etnia e outras 13, muitas das quais praticam o infanticídio.
No ano passado, ele soube do trabalho da ONG Atini, que combate a prática, por meio de sua irmã Kamiru, que desenterrou o menino Amalé, condenado a morrer por ser filho de mãe solteira. Kamiru teve contato com a entidade em Brasília, ao buscar tratamento médico para o filho adotivo.
Paltu pediu ajuda à ONG para conscientizar os índios de sua aldeia. A entidade foi criada há cerca de dois anos pelos lingüistas Márcia e Edson Suzuki, que em 2001 adotaram Hakani, 12. Devido à desnutrição em decorrência de hipotireoidismo congênito, que seus pais acreditavam ser uma maldição, Hakani, da etnia suruarrá, deveria morrer. Foi salva pelo irmão.
É Hakani que dá nome ao documentário dirigido pelo diretor e produtor norte-americano David L. Cunningham, que está em fase de finalização e deve ser lançado neste mês no Brasil e nos Estados Unidos. Rodado em fevereiro em Porto Velho (RO) com o apoio da Atini, o vídeo mostra a história de Hakani e depoimentos contra o infanticídio, na voz de índios.
Ainda praticado por cerca de 20 etnias entre as mais de 200 do país, esse princípio tribal leva à morte não apenas gêmeos, mas também filhos de mães solteiras, crianças com problema mental ou físico, ou doença não identificada pela tribo.

Projeto de lei

O documentário aborda projeto de lei que trata de "combate às práticas tradicionais que atentem contra a vida", que tramita na Câmara desde maio passado. A Lei Muwaji, como é chamada em homenagem à índia que enfrentou a tribo para salvar sua filha com paralisia cerebral -caso que inspirou a criação da Atini-, estabelece que "qualquer pessoa" que saiba de casos de uma criança em situação de risco e não informe às autoridades responderá por crime de omissão de socorro. A pena vai de um a seis meses de detenção ou multa.
A proposta é polêmica entre índios e não-índios. Há quem argumente que o infanticídio é parte da cultura indígena. Outros afirmam que o direito à vida, previsto no artigo 5º da Constituição, está acima de qualquer questão.
"Nós vivemos sob uma ordem legal e a lei diz que o direito à vida é mais importante que a cultura", afirma Maíra Barreto, doutoranda em direitos humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha), cuja tese é sobre infanticídio indígena.
Para ela, conselheira da Atini, há incoerência no fato de o Brasil ser signatário de convenções internacionais que condenam tradições prejudiciais à saúde da criança e não cumpri-las no caso dos índios.
Em 2004, o governo brasileiro promulgou, por meio de decreto presidencial, a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina que os povos indígenas e tribais "deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que
não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos".
Antes disso, em 1990, o Brasil já havia promulgado a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, que reconhece "que toda criança tem o direito inerente à vida" e que os signatários devem adotar "todas as medidas eficazes e adequadas" para abolir práticas prejudiciais à saúde
da criança.
O antropólogo Ricardo Verdum, do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), acha o projeto de lei uma intromissão no livre-arbítrio dos índios. "Querer impor uma lei é agressivo, é uma violência."
O antropólogo Bruce Albert, da CCPY (Comissão Pró-Yanomami), diz que, para os yanomamis, "só as crianças às quais se podia dar a chance de crescer com saúde eram criadas".
O missionário Saulo Ferreira Feitosa, secretário-adjunto do Cimi (Comissão Indigenista Missionária), vê no debate conflito entre a ética universal e a moral de uma comunidade. "Ninguém é a favor do infanticídio. Agora, enquanto prática cultural e moralmente aceita, não
pode ser combatida de maneira intervencionista."
Para Márcia Suzuki, presidente da Atini, o debate originado a partir do
projeto traz à tona a questão da saúde pública desses povos.

Ana Paula Boni, Folha de São Paulo.


Nenhuma propaganda externa, portanto, nenhuma imposição ou proibição proveniente do alto têm o poder de fragmentar a inderrogável liberdade da história. Esta tem a sua lei suprema no seguinte: os itinerários sobre os quais ela vai desenvolver-se nunca são troncos acrescentados de fora aos itinerários do passado, mas sim são continuação e germinação espontânea destes últimos. Em suma, a tradição religiosa pode, por processo espontâneo, transformar-se, corrigir-se, superar-se; não pode nunca renegar a si própria porque é forçada a isso do exterior, pois a história não se anula.

Vittorio Lanternari, As religiões dos oprimidos.

Quadros: Brueghel, Triunfo da morte; Goya, Inquisição.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Filósofo


O que caracteriza o filósofo é o movimento que leva incessantemente do saber à ignorância, da ignorância ao saber, e um certo repouso neste movimento...
Merleau-Ponty, Elogio da Filosofia.
Quadro: Bosh