sábado, 11 de outubro de 2008

Corpo






















Só posso compreender a função do corpo vivo realizando-a eu mesmo e na medida em que sou um corpo que se levanta em direção ao mundo.
Merleau-Ponty, Fenomenologia da percepção.








Tendo que a morte provoca a dissolução da forma e deixa somente a substância, representada nas construções feitas de terra, o nascimento inaugura um processo resultante em um corpo humanisado. Enquanto o seu nascimento não é socialisado por certos atos como o dar o nome, a excisão, a circuncisão ou a escarificação, a criança não pertence ainda plenamente ao mundo dos homens; ela continua ligada àquele dos ancestrais, de onde ela vem. (...)

Nascimento e morte são dois episódios inscritos pela metafísica autóctone [da áfrica ocidental] em um movimento alternado de sigularização e de fragmentação. No nascimento, a separação do excedente de substância, que é a placenta, permite a uma singularidade humana tomar forma. Na morte, a dissolução progressiva da forma humana tem por simétrico a elaboração de uma composição não figurativa, nova materialização do defunto em sua qualidade de ancestral. Após o nascimento, a especiação começada na vida intra-uterina prossege até que a criança devenha um ser humano de parte inteira. Este processo conscerne acolher os princípios vitais herdados do ancestral e dos genitores, que são reunidos em uma nova totalidade humana singularizada. A morte vem desfazer esta união cujos diferentes constituintes serão redistribuídos ao fio dos nascimentos. No intervalo que separa estes dois eventos, o ser vivo, torna-se uma pessoa propriamente humana, trabalhada pelas relações que ele amarra, pelos eventos e ritos nos quais ele toma parte, bem como pela perpetuação de sua linhagem, para se impor como indivíduo terminado. (...)

A incapacidade da pequena criança pra distinguir a esquerda e a direita é um dos sintomas de sua dupla natureza. Seu esquema corporal é invertido, sob o modelo do gênio da mata. Para os Bwaba, a inversão se acompanha de uma recusa da face: a criança tem por face seu dorso. É a escarificação da face que permite o retorno do esquema corporal. O bebê é portanto provido de uma face construida pelas marcas de seu pertencimento linhageiro, o que o integra definitivamente à sociedade dos homens. (...)
Michèle Coquet, Le corps et ses doubles.


Na Europa, o corpo é uma substância individual que, em sua singularidade, se reporta diretamente ao modelo não corporal do qual ele é imagem. Dito de outra forma, o corpo não é inscrito em uma relação social mas em uma relação que revela a ordem da representação: ele não tem ligação com os outros corpos a não ser que todos [os corpos], tomados um a um, convergem para o mesmo modelo.

De onde vem nossa concepção do corpo? Para simplificar nós podemos dizer que ela foi errigida por três fontes principais: o dualismo, o criacionismo monoteísta e o pensamento da incarnação.

Michaël Housemann, La chair est image.


Imagens: máscara africana; ícone; modelo; casal africano; Jesus.

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